A indevida inclusão do ISS na base de cálculo PIS e da COFINS

Instituído pela Lei Complementar n.° 7, de 7 de setembro de 1970, o Programa de Integração Social – PIS foi destinado a promover a integração do empregado na vida e no desenvolvimento das empresas (art. 1°, caput).

Referida legislação estabeleceu, em seu artigo 3°, que o Fundo de Participação seria constituído por duas parcelas: (i) mediante dedução de
porcentagem do imposto sobre a renda devida pelas pessoas jurídicas; e (ii) com recursos próprios da empresa, recolhidos com base no faturamento, definindo, ainda, como seria a contribuição das instituições financeiras e das sociedades seguradoras, haja vista tratar-se de empresas que não realizariam operações de venda de mercadorias ou prestação de serviços (art. 3°, § 2°).

A lei de regência (LC n.° 7/70) foi expressamente recepcionada
pela Carta da República de 1988 (art. 239) que, via de consequência, autorizou em seu artigo 195, a instituição de nova contribuição destinada ao financiamento da seguridade social, incidente sobre o faturamento, qual seja, a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social –
COFINS.

Ocorre que, em momento posterior, com a edição da Medida Provisória n.° 1.724, de 29 de outubro de 1998, convertida na Lei n.° 9.718, de 27 de novembro de 1998, o legislador infraconstitucional, pretendendo alterar a base de cálculo da contribuição ao PIS e a COFINS, determinou a incidência de ambas sobre o faturamento, equiparando, contudo, o conteúdo significativo daquele vocábulo ao de receita bruta (Art. 3º).

Assim, o legislador ordinário extrapolou os limites da competência constitucional que lhe foi atribuída ao instituir contribuição sobre receita bruta, terminologia bem mais abrangente que a de faturamento. Com a edição da Emenda Constitucional n.° 20/98, permitiu-se a instituição de contribuição para a seguridade social incidente sobre a receita ou o faturamento (Art. 195, inciso I, alínea “b”) e o lucro (alínea “c”. Ampliou-se, portanto, com o advento da Lei n.° 9.718/98 (§ 1° do artigo 3°), o conceito histórico de faturamento, tendo o Supremo Tribunal Federal reconhecido sua inconstitucionalidade ao argumento de que ele não teria sido convalidado com a edição da Emenda Constitucional n.° 20/98, posto que além de afrontar a noção de faturamento (art. 195, I, CF/88), ampliando o conceito de receita bruta para “toda e
qualquer receita”, viola o § 4° desse artigo, quanto aos aspectos formais para a criação de uma nova fonte de custeio para a seguridade social (RE n.° 346.084-6/PR).

Ato contínuo, em relação ao caput do art. 3°, a Suprema Corte o declarou inconstitucional, “(…) para lhe dar interpretação conforme à Constituição, nos termos do julgamento proferido no RE n.° 150.755 / PE, que tomou a locução receita bruta como sinônimo de faturamento (…)”, destacando que embora sejam termos que se equiparam juridicamente, nem todo numerário que ingressa nos cofres da empresa pode ser considerado faturamento.

Portanto, a partir desse julgamento, deve-se concluir que a base de cálculo da COFINS e do PIS, seja considerando o faturamento, seja considerando a receita bruta, deve representar os recursos que ingressam no patrimônio do contribuinte, em caráter definitivo, vinculados ao exercício da atividade empresarial e que correspondam à contraprestação da venda de mercadorias ou à prestação de serviços. Qualquer valor diverso daquele correspondente ao somatório dos valores das operações negociais feitas pela empresa não pode ser inserido na base de cálculo da COFINS e do PIS.

A despeito desse novel julgamento, a Receita Federal do Brasil vem exigindo do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei o recolhimento do PIS e da COFINS mediante a incabível inclusão na base de cálculo destas do ISS, que não se enquadra, por sua própria natureza (tributo – ônus fiscal), em tais conceitos.

Ora, é o ISS ônus fiscal, sendo certo que não se comercializa nem se fatura imposto. O beneficiado, conforme cediço, é a unidade da Federação competente. Nesse contexto, tem-se que a inclusão do ISS na base de cálculo do PIS e da COFINS ocorre com inegável ofensa ao inciso I do artigo 195 da Carta Magna, tanto em sua redação original, como em seu texto atual, com alteração promovida pela Emenda Constitucional n.° 20/98, que incluiu a alínea b.

Não se pode olvidar, ainda, que é vedada pelo artigo 110 do Código
Tributário Nacional a alteração da definição, conteúdo e alcance de institutos e conceitos de direito privado utilizados pela Constituição Federal para definição e limitação de competências tributárias.

A Suprema Corte, a propósito, não se quedou inerte frente a esse disparate, tendo, em 24/8/2006, no julgamento do Recurso Extraordinário 240.785, de relatoria do Eminente Ministro MARCO AURÉLIO, apontando no sentido da inconstitucionalidade da inclusão do ISS na base de cálculo de referidas contribuições sociais. Embora a conclusão do julgamento esteja interrompida pelo pedido de vista do Ministro GILMAR MENDES, já foram apresentados 6 (seis) votos favoráveis à tese defendida, inclusive do relator,
contando apenas com 01 (um) voto contrário, ou seja, faltam apenas 04 (quatro) votos para a conclusão do julgamento que, a essa altura, não nos parece que pode ser alterado.

Assim, revela-se possível o ajuizamento de demanda judicial tendente a assegurar aos empregadores, as empresas e as entidades a ela equiparadas, o direito de não serem mais compelidas a apurar e recolher o PIS e a COFINS com a indevida inclusão do ISS na base de cálculo destas contribuições, assegurando-lhes, ainda, o direito a compensação dos valores indevidamente recolhidos a esse título com débitos próprios, vencidos ou vincendos, relativos a quaisquer tributos ou contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, inclusive com os então administrados pelas extintas Secretaria da Receita Federal e Previdenciária, em especial com as contribuições arrecadadas ao INSS, como as incidentes sobre a folha de salários, sem a limitação do § 3º do artigo 89 da Lei nº 8.212/91 ou quaisquer outras normas legais ou infralegais, devendo ser observado apenas o prazo prescricional quinquenal.

(*) Régis Santiago de CarvalhoAdvogado, sócio das bancas Régis Carvalho Advogados Associados (www.regiscarvalho.adv.br – Campo Grande/MS), Carvalho & Padovani Sociedade de Advogados (www.carvalhoepadovani.adv.br – Tangará da Serra/MT) e Neme, Carvalho & Marques Advogados (Brasília/DF); Palestrante, Mestrando em Direito pela Universidade Autônoma de Lisboa (Portugal), pós-graduado em Direito Constitucional, Especialista em Direito Tributário, Professor em Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito, Conselheiro Estadual da OAB/MS, Presidente da Academia de Direito Processual de Mato Grosso do Sul – ADP/MS, autor da obra “A Insujeição da Sentença Arbitral ao Precedente Judicial Previsto no Código de Processo Civil de 2015”, Editora Life e Co-autor das obras “Práticas Contemporâneas Trabalhistas e Previdenciárias” – Tema: Os Provimentos Judiciais Legalmente Vinculantes e seus Reflexos nas Lides Previdenciárias – – Editora Quartier Latin – 2019 e “O Procedimento de Cassação de Mandato de Prefeitos e Vereadores – Aspectos Atuais do Decreto-Lei nº 201/67 à luz da jurisprudência e do CPC/2015” – Life Editora – 2019.