FUNRURAL – Quem deve pagar?

A história do Funrural, sigla do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural, começa em 1971, com o programa de Previdência e Assistência Rural (PRORURAL). Naquele ano foi instituída a cobrança de 2% sobre a comercialização da produção com o objetivo de financiar a previdência.

Em 1988, com a nova Constituição Federal, o trabalhador rural foi incluído no Regime Geral de Previdência Social e passou a ter que recolher o imposto de 20% sobre a folha de pagamento de salários — só os produtores que não tinham funcionários continuaram pagando o imposto sobre a venda da produção.

Em 1992 houve uma nova modificação, após a aprovação da lei que regulamentou a contribuição tributária do produtor rural empregador. Com isso, o produtor pessoa física passou a recolher 2,1% e o produtor pessoa jurídica, 2,6%.

Após sucessivas alterações legislativas, o recolhimento desta contribuição social pelo Empregado Rural, Produtor Rural Pessoa Física e pelo Produtor Rural Pessoa Jurídica passou a ser fixada nos seguintes percentuais (alíquotas):

  • Pessoa física: alíquota de 1,5% sobre o valor bruto da venda da produção, sendo 1,2% para o INSS, 0,1% para o RAT (Riscos Ambientais do Trabalho) e 0,2% para o SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural);
  • Pessoa jurídica: alíquota de 2,05% sobre o valor bruto da venda, sendo 1,7% para o INSS, 0,1% para o RAT e 0,25% para o SENAR;
  • Imposto sobre a folha de pagamento: o trabalhador rural deve formalizar a preferência quando realizar a sua primeira contribuição do ano, por meio da guia de recolhimento do FGTS.

Vale destacar, que quando o produtor optar por recolher o imposto diretamente da folha de pagamento, o valor é descontado automaticamente. Essa opção pode ser feita tanto por produtores pessoas físicas como jurídicas — essa opção é garantida pela Lei nº 13.606/2018.

O produtor rural pessoa física precisa recolher o Funrural quando: i) ealizar a venda para outro produtor rural ou para empresa estrangeira; ii) realizar a venda para consumidor final pessoa física ou iii) escolher calcular a contribuição pela folha de pagamento.

Já o produtor rural pessoa jurídica (empresa) precisa recolher o Funrural quando i) realizar a venda de produção agrícola própria; ii) adquirir produção agrícola de produtor rural pessoa física, e tenha ocorrido a retenção de Funrural e iii) escolher calcular a contribuição pela folha de pagamento.

A alíquota do Fundo Rural incide sobre a receita bruta resultante da comercialização de um produto. Parte dela vai para o INSS, enquanto o restante volta-se para o RAT (Riscos Ambientais do Trabalho) e o SENAR.

Existem dois artigos na Lei que regulamenta o Funrural (Lei nº 13.606/2018, artigos 14 e 15) que garantem a isenção do imposto nos seguintes casos:

  • Quando a produção rural é feita com o objetivo de reflorestamento (desde que tenha registro no MAPA);
  • Quando é comercializado produto animado com o objetivo de reprodução ou criação;
  • Quando é comercializado produto animal para ser cobaia com fins de pesquisa científica;
  • Quando o vendedor não tem a atividade rural como atividade principal, mas sim como complementar ou atividade eventual.

No entanto, essa isenção não se aplica à alíquota destinada ao SENAR e ao RAT.

Portanto, o valor de 0,2% para pessoas físicas e 0,25% para pessoas jurídicas devem ser recolhidos.

A cobrança da referida contribuição já foi alvo de diversos questionamentos junto ao Supremo Tribunal Federal.

No julgamento dos Recursos Extraordinários 363.852 e 596.177, o Plenário da Corte declarou a inconstitucionalidade da contribuição devida pelo empregador rural pessoa física, com relação aos valores devidos durante a vigência das Leis nºs 8.540/92 e 9.528/97. Na ocasião, prevaleceu o entendimento de que a Constituição Federal não previa hipótese de dupla incidência de contribuições sobre a mesma base de cálculo, não havendo base material imponível para fins de cobrança sobre a receita, que somente teve respaldo após a EC 20/98.

Ocorre que em 2017 o tema voltou a ser apreciado pelo STF no julgamento do Recurso Extraordinário nº 718.874. Por maioria apertada (6 a 5), o Supremo entendeu agora pela constitucionalidade do Funrural devido pelo empregador rural pessoa física, após o advento da Lei nº 10.256/01.

A premissa adotada no julgado foi de que, após o advento da Emenda Constitucional 20/98, a contribuição poderia ser cobrada, pois a referida EC alterou o artigo 195 da Constituição Federal para prever a receita bruta como base de incidência das contribuições sociais, resultando na seguinte tese objeto do Tema 669: “É constitucional formal e materialmente a contribuição social do empregador rural pessoa física, instituída pela Lei 10.256/2001, incidente sobre a receita bruta obtida com a comercialização de sua produção”.

A essa altura, o tema parecia definido acerca da constitucionalidade da contribuição. Não obstante, ainda estava pendente o julgamento do Recurso Extraordinário nº 761.263, que tratava do Funrural devido pelo segurado especial (produtor rural pessoa física que individualmente, ou em caráter de regime familiar, explore a atividade rural).

Em abril de 2020, o STF apreciou o RE nº 761.263 fixando como legítima a previsão legal da contribuição do segurado especial com base na receita bruta (6 a 4), objeto do Tema 723: “É constitucional, formal e materialmente, a contribuição social do segurado especial prevista no art. 25 da Lei 8.212/1991”.

Com a apreciação do tema no STF e a fixação das teses pela constitucionalidade da contribuição nos Temas 669 e 723, a discussão acerca da base de cálculo do Funrural devido pelos produtores ruais (empregador rural ou segurado especial) restou encerrada, prevalecendo o entendimento de que é devida a contribuição a partir do advento da Lei nº 10.256/01.

Entretanto, o assunto Funrural ainda não foi encerrado na Corte Suprema, pois ainda permanece pendente de definição a apreciação acerca da legitimidade do recolhimento do Funrural por parte dos adquirentes de mercadorias de produtores rurais, na condição de sub-rogados.

A sub-rogação do Funrural nada mais é do que a atribuição ao adquirente dos produtos da responsabilidade tributária pela apuração e recolhimento da contribuição devida pelo produtor rural sobre a receita bruta da venda.

A responsabilidade legal do adquirente foi veiculada no artigo 30, IV, da Lei nº 8.212/91, tendo a norma sido inserida no ordenamento por meio da Lei nº 8.540/92 e, posteriormente, restabelecida pela Lei nº 9.528/97.

Como visto, o STF reconheceu a constitucionalidade da contribuição a partir do advento da Lei nº 10.256/01, editada após a Emenda Constitucional 20/98. Entretanto, apesar de restabelecer o Funrural, a redação originária da Lei nº 10.256/01 não tratou expressamente da obrigação legal do adquirente por sub-rogação.

Ou seja, considerando que: 1) a norma que atribui obrigação legal aos adquirentes de recolher o Funrural devido pelos produtores rurais é decorrente das Leis nºs 8.540/92 e 9.528/97; 2) que os referidos diplomas legais foram declarados inconstitucionais pelo STF, quando do julgamento dos REs 363.852 e 596.177; e 3) que a Lei nº 10.256/01 não trouxe qualquer normatização sobre o assunto; resta ausente do sistema jurídico norma vigente e válida que determine o recolhimento do Funrural por sub-rogação.

Não bastasse a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos das Leis nº 8.540/92 e 9.528/97 pelo próprio STF, o Senado Federal, atendendo aos ofícios enviados pela corte quando do julgamento dos REs 363.852 e 596.177, publicou em 19/9/2017 a Resolução nº 15/17, que suspendeu a execução desses dispositivos declarados inconstitucionais pelo STF.

Assim, a exigência do Funrural em face dos adquirentes da produção rural está consubstanciada em normas declaradas inconstitucionais pelo STF, cuja aplicabilidade também se encontra suspensa por força da Resolução do Senado nº 15/17.

Todavia, ainda permanece pendente de definição a apreciação acerca da legitimidade do recolhimento do Funrural por parte dos adquirentes de mercadorias de produtores rurais, na condição de sub-rogados.

A sub-rogação do Funrural nada mais é do que a atribuição ao adquirente dos produtos da responsabilidade tributária pela apuração e recolhimento da contribuição devida pelo produtor rural sobre a receita bruta da venda.

Com efeito, muito embora o STF tenha reconhecido a constitucionalidade da contribuição a partir do advento da Lei nº 10.256/01, editada após a Emenda Constitucional 20/98, a redação originária da Lei nº 10.256/01 não tratou expressamente da obrigação legal do adquirente por sub-rogação.

Assim, a questão da sub-rogação não foi apreciada pelo STF ao definir a tese dos Temas 669 e 723, de modo que a obrigação de retenção e recolhimento do Funrural pelo adquirente junto ao empregador rural pessoa física, ainda não está pacificado no Judiciário e deve ser enfrentada pelos tribunais superiores.

Em 2021, a 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região entendeu que permanece válida a legislação no que fixa a obrigação de recolhimento do Funrural por sub-rogação (ApelRemNec 5001048-98.2020.4.03.6106). Já a 1ª Turma, em julgado proferido em 2018, entendeu pela ausência de norma válida para exigência do Funrural por sub-rogação (ApReeNec: 00002842620174036100 SP).

No STF está pendente de julgamento a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.395/DF, de autoria da Associação Brasileira de Frigoríficos, sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes, que trata da inconstitucionalidade do Funrural, já definida, e também do artigo 30, IV, da Lei nº 8.212/91, que disciplina a questão da sub-rogação.

Os ministros Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Roberto Barroso manifestaram entendimento na linha de que não há inconstitucionalidade na sub-rogação. O ministro Fachin entendeu que é inconstitucional o artigo 30, IV, da Lei 8.212/91, no que foi acompanhado pelos ministros Rosa Weber, Lewandowski e Celso de Mello. O ministro Marco Aurélio acatou a inconstitucionalidade da Lei nº 10.256/01, mas sem tratar expressamente a sub-rogação. Está pendente o voto do ministro Dias Tofolli, que deverá definir o posicionamento do STF sobre a questão.

O processo foi incluído no calendário de julgamento do STF para o dia 5 de maio de 2022, ou seja, seu resultado ainda é cercado de incertezas.

Outra questão relevante diz respeito a cobrança de Funrural das sociedades cooperativas. A legislação do cooperativismo, especialmente, art. 79 da Lei n. 5.674/71, estabelece que no ato cooperativo típico “não implica operação de mercado, nem contrato de compra e venda de produto ou mercadoria”, o fato gerador que gera a incidência do FUNRURAL e RAT não se consuma, pois, nos termos da legislação, é preciso exatamente o oposto, ou seja, uma comercialização (operação de mercado compra e venda).

Como o ato cooperativo não é comercialização de atividade rural, parece-nos evidente a impossibilidade de tributação de tais operações.

Esta interpretação, inclusive, possui precedentes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF -, seja para pessoa física, como agroindústria, senão vejamos:

“CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA INCIDENTE SOBRE A ENTREGA À COOPERATIVA DA PRODUÇÃO RURAL DE PRODUTOR PESSOA FÍSICA. “FUNRURAL”. ART. 25 DA LEI Nº 8.212, DE 1991, NA REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 10.256, DE 2001. ATO COOPERATIVO. AUSÊNCIA DE COMERCIALIZAÇÃO. Não há comercialização na entrega dos produtos rurais pelos segurados especiais à cooperativa (ato cooperativo), motivo pelo qual não é devida, nessas operações, a contribuição previdenciária prevista no art. 25 da Lei nº 8.212, de 1991, na redação dada pela Lei nº 10.256, de 2001 (“Funrural”). (CARF, 2ª Seção, Ac. 2301-005.151, Rel. Cons. Fabio Piovezan Boza, j. 03/10/2017).

“CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIARIA. AGROINDUSTRIA. ATOS COOPERATIVOS. AUSÊNCIA DE MERCANTILIDADE. NÃO PODEM SER COMPUTADOS PARA FINS DE APURAÇÃO DA RECEITA BRUTA. Os atos cooperativos não podem ser considerados atos mercantis para fins de classificação da receita bruta para incidência das contribuições devidas pela agroindústria.” (CARF, 2ª Seção Ac. 2201004.542, 2ª Câmara / 1ª Turma Ordinária, Rel. Rodrigo Monteiro Loureiro Amorim. j. 06/06/2018).

No mesmo sentido a orientação do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

A entrega da mercadoria pelo produtor rural à cooperativa, da qual é associado, não se confunde com a comercialização do produto por ela realizada, que constitui o fato gerador da contribuição previdenciária.” (TRF4, APELREEX 5002422-42.2014.404.7203, PRIMEIRA TURMA, Relator JORGE ANTONIO MAURIQUE, j. 29/05/2015).

O próprio Supremo Tribunal Federal já firmou posicionamento, em sede de repercussão geral, reconhecendo a não incidência de tributos quando houver ato cooperativo típico:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. TRIBUTÁRIO. ATO COOPERATIVO. COOPERATIVA DE TRABALHO. SOCIEDADE COOPERATIVA PRESTADORA DE SERVIÇOS MÉDICOS. POSTO REALIZAR COM TERCEIROS NÃO ASSOCIADOS (NÃO COOPERADOS) VENDA DE MERCADORIAS E DE SERVIÇOS SUJEITA-SE À INCIDÊNCIA DA COFINS, PORQUANTO AUFERIR RECEITA BRUTA OU FATURAMENTO ATRAVÉS DESTES ATOS OU NEGÓCIOS JURÍDICOS. CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE “ATO NÃO COOPERATIVO” POR EXCLUSÃO, NO SENTIDO DE QUE SÃO TODOS OS ATOS OU NEGÓCIOS PRATICADOS COM TERCEIROS NÃO ASSOCIADOS (COOPERADOS), EX VI, PESSOAS FÍSICAS OU JURÍDICAS TOMADORAS DE SERVIÇO. POSSIBILIDADE DE REVOGAÇÃO DO BENEFÍCIO FISCAL (ISENÇÃO DA COFINS) PREVISTO NO INCISO I, DO ART. 6°, DA LC Nº 70/91, PELA MP Nº 1.858-6 E REEDIÇÕES SEGUINTES, CONSOLIDADA NA ATUAL MP Nº 2.158-35. A LEI COMPLEMENTAR A QUE SE REFERE O ART. 146, III, “C”, DA CF/88, DETERMINANTE DO “ADEQUADO TRATAMENTO TRIBUTÁRIO AO ATO COOPERATIVO”, AINDA NÃO FOI EDITADA. EX POSITIS, DOU PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.” (STF, RE 598085, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 06/11/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-027 DIVULG 09-02-2015 PUBLIC 10-02-2015).

Vê-se, portanto, que existe uma forte tendência em se considerar a impossibilidade de tributação do Funrural e RAT sobre a receita bruta da comercialização nas operações entre cooperados (pessoa física e jurídica; agroindústria), devendo os prejudicados pela cobrança da referida contribuição procurar um advogado especializado para avaliar a viabilidade de suspender essa cobrança (mediante liminar) e ainda reivindicar a repetição do indébito (devolução dos valores pagos) nos últimos 05 (cinco) anos.