Quando se pensa em direito previdenciário imediatamente vem à mente das pessoas questões ligadas as aposentadorias, pensões, benefícios assistenciais etc.
Entretanto, ao contrário do que se imagina, esse ramo do direito tem forte impacto na atividade empresarial e agropecuária, notadamente quando analisado sob a matiz tributária. Em relação à primeira, podemos citar como exemplo o pagamento indevido de contribuições previdenciárias sobre as chamadas verbas indenizatórias e eventuais, tais como aviso prévio indenizado, 13º salário sobre aviso prévio indenizado, salário maternidade, auxílio doença, auxílio acidente, adicional de horas extras etc.
No que tange à segunda, que é o foco do presente artigo, citamos o exemplo do produtor rural que exerce sua atividade agropecuária de forma individual e, ainda assim, é compelido a contribuir com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE mediante o pagamento da contribuição denominada salário-educação, prevista no §5º do art. 212 da Constituição Federal.
O referido dispositivo foi regulamentado pela Lei nº 9.424/96, o qual sujeitou as empresas ao recolhimento do chamado salário-educação, “calculado com base na alíquota de 2,5% (dois e meio por cento) sobre o total de remunerações pagas ou creditadas, a qualquer título, aos segurados empregados, assim definidos no art. 12, inciso I, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991”.
Percebe-se, pois, que a intenção do legislador constitucional e infraconstitucional foi no sentido de sujeitar apenas as pessoas jurídicas à incidência da referida contribuição, não podendo referida obrigação ser estendida ao produtor rural pessoa física (que exerce sua atividade agropecuária de forma individual), exceto se detentor de firma individual, uma vez que essa expressão é utilizada no Decreto nº 916/1890 “para se indicar a pessoa física do comerciante individual”, ou, como diz o Decreto, “do comerciante sem sócio”.
A atividade rural, apesar de envolver a venda da produção, não pode ser considerada como comercial, mas sim atividade civil típica, conforme tradicional entendimento doutrinário consagrado pelo Superior Tribunal de Justiça. Produção e comércio, portanto, segundo a melhor doutrina, são conceitos absolutamente distintos.
Vale destacar, que antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002, o produtor rural sequer poderia promover sua inscrição como firma individual, vez que esse registro era prerrogativa dos comerciantes stricto sensu. Atualmente, embora possível, é facultado ao produtor rural “requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis” (art. 971 do Código Civil de 2002).
Com efeito, apenas se o produtor rural realizar sua inscrição “no Registro Público de Empresas Mercantis” é que estará equiparado, para todos os efeitos civis e comerciais, ao empresário sujeito a registro nos órgãos respectivos; do contrário, não pode ele ser equiparado a pessoa jurídica para fins tributários.
Assim, sob qualquer ângulo que se analise a situação do produtor rural que desenvolve sua atividade de maneira individual (leia-se: sem cadastro no registro de comércio ou no CNPJ), é certo que não pode ele ser enquadrado no conceito legal de empresa para fins de incidência da indigitada exação (salário-educação), devendo ser considerado produtor rural pessoa física, nos termos da Instrução Normativa nº 971/2009 da Receita Federal do Brasil.
Note-se que a despeito da clareza desses conceitos, infelizmente, ainda hoje, esses produtores estão sendo obrigados ao recolhimento dessa contribuição, competindo a eles, caso pretendam se ver livres dessa obrigação, buscar o reconhecimento judicial da ilegalidade dessa exigência, bem como a restituição dos valores indevidamente recolhidos aos cofres públicos nos últimos 05 (cinco) anos.
(*) Régis Santiago de Carvalho é Advogado há 25 anos, sócio da banca Régis Carvalho Advogados Associados (www.regiscarvalho.adv.br), Palestrante, Mestrando em Direito pela Universidade Autônoma de Lisboa (Portugal), pós-graduado em Direito Constitucional, Especialista em Direito Processual Civil, Tributário, Eleitoral e Bancário (com ênfase em crédito rural); Professor em Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito, Foi Conselheiro Estadual da OAB/MS por 4 mandatos, é Presidente e Fundador da Academia de Direito Processual de Mato Grosso do Sul – ADP/MS, é autor da obra “A Insujeição da Sentença Arbitral ao Precedente Judicial Previsto no Código de Processo Civil de 2015”, Editora Life e Coautor das obras “Práticas Contemporâneas Trabalhistas e Previdenciárias” – Tema: Os Provimentos Judiciais Legalmente Vinculantes e seus Reflexos nas Lides Previdenciárias – – Editora Quartier Latin – 2019, “O Procedimento de Cassação de Mandato de Prefeitos e Vereadores – Aspectos Atuais do Decreto-Lei nº 201/67 à luz da jurisprudência e do CPC/2015” – Life Editora – 2019 e “Os efeitos patrimoniais da união estável na terceira idade e a (in)constitucionalidade da imposição legal do regime de separação obrigatória de bens prevista no Código Civil Brasileiro” – Life Editora – 2022. Figurou por 2 vezes na lista tríplice para o cargo de Juiz Eleitoral do TRE/MS (2019 e 2023). Atualmente exerce o cargo de Diretor Tesoureiro da Escola Superior da Advocacia de Mato Grosso do Sul (ESA/MS), gestão 2025-2027