Conforme sabido, empreender não é uma tarefa fácil, isto porque o risco é inerente à própria atividade empresarial. Além da alta carga tributária, das incertezas do mercado e do setor em que a empresa atua e o ambiente macroeconômico, existem inúmeros outros problemas que podem afetar diretamente a saúde financeira de uma empresa, tais como aqueles decorrentes de questões envolvendo responsabilidade civil, contratual, acidentes de trabalho, relações consumeristas e de emprego, bem assim todos os demais percalços que envolvem a atividade empresarial, alguns próprios do modelo econômico brasileiro.
Não é por acaso, que segundo dados estatísticos uma em cada quatro empresas não sobrevive ao segundo ano de funcionamento no mercado. Os fatores são variados e vão desde a deficiência de gestão a situações inesperadas, como a pandemia da COVID-19. Soma-se a isso questões outras que impactam diretamente no caixa da empresa como autos de infração ambiental, fiscal e, não bastasse isso, o reconhecimento do vínculo de emprego com seus colaboradores e terceirizados por Auditor Fiscal do Trabalho e/ou Auditor da Receita Federal. Embora o Colendo Tribunal Superior do Trabalho tenha se inclinado no sentido de admitir que o Auditor Fiscal do Trabalho não invade competência da Justiça do Trabalho ao declarar vínculo de emprego, porque é atribuição do referido profissional verificar o cumprimento das normas trabalhistas (processo E-ED-ED-RR-2320-40.2012.5.03.0019 e AIRR-8500-49.2006.5.02.0039), atualmente encontra-se em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal a ADPF-Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 606, ajuizada pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), onde se questiona a competência dos Auditores Fiscais do Trabalho para reconhecer e declarar, durante inspeções, o vínculo de emprego e a descaracterização de relação jurídica por dissimulação e fraudes trabalhistas.
Na ação, a CNA ainda requer medida cautelar para suspender de forma temporária autos de infração que tenham reconhecido vínculo de emprego, sustar execuções fiscais e inscrições em Dívida Ativa por conta de cobranças feitas pelos auditores após inspeção de trabalho e reconhecimento de vínculo trabalhistas.
Noutra frente, a Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos, Odontológicos, Hospitalares e de Laboratórios (ABIMO) igualmente ingressou com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF nº 647) junto ao Supremo Tribunal Federal visando a declaração de inconstitucionalidade do entendimento firmado no âmbito do CARF- Conselho Administrativo de Recursos Fiscais de que o Auditor Fiscal da Receita Federal tem competência para reconhecer vínculo de emprego – ou supor a sua existência – e, em virtude disso, desconsiderar atos ou negócios jurídicos legítimos, sem a manifestação prévia da Justiça do Trabalho. Em medida cautelar, busca-se ainda suspender a validade de todos os autos de infração lavrados por auditores fiscais da Receita Federal; de todos os processos administrativos em tramitação nas Delegacias da Receita Federal e no âmbito do CARF e que tenham por objeto a legalidade e regularidade de autos de infração lavrados por essa categoria de servidores; da exigibilidade dos créditos tributários oriundos de decisões administrativas, mesmo que transitadas em julgado no âmbito administrativo e, por fim, a suspensão de todos os processos judiciais que questionem a constitucionalidade, legalidade ou regularidade de autos de infração lavrados por Auditores Fiscais da Receita Federal em que se tenha, direta ou indiretamente, reconhecido vínculo de emprego – ou pressuposta a sua existência – para o fim de caracterizar a figura do “segurado empregado” (art. 9º, I, “a”, do Decreto nº 3.048, de 06.05.1999) e, assim, apurar e cobrar eventuais contribuições sociais, demais tributos e multas.
Em ambas as ações, os Ministros Relatores (Gilmar Mendes e Cármen Lúcia) postergaram a análise do pedido cautelar adotando o rito do art. 12 da Lei nº 9.868/1999, que prevê que “Havendo pedido de medida cautelar, o relator, em face da relevância da matéria e de seu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica, poderá, após a prestação das informações, no prazo de dez dias, e a manifestação do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República, sucessivamente, no prazo de cinco dias, submeter o processo diretamente ao Tribunal, que terá a faculdade de julgar definitivamente a ação”.
Não obstante a tramitação dessas duas ações de controle concentrado de constitucionalidade (ADPF’s) junto ao STF, a prática continua a mesma, sem alteração, gerando autos de infração milionários e consequentemente impactos devastadores no desenvolvimento da atividade econômica brasileira, notadamente da classe empresarial, a quem resta somente a busca de um profissional qualificado para questionar judicialmente, via ação anulatória, esses autos de infração, bem como suspender o andamento de eventuais processos administrativos que estejam em tramitação nas Delegacias da Receita Federal, no CARF ou nas Delegacias Regionais do Trabalho e/ou Ministério do Trabalho e Emprego e seus respectivos órgãos administrativos.
(*) Régis Santiago de Carvalho – Advogado, sócio das bancas Régis Carvalho Advogados Associados (www.regiscarvalho.adv.br – Campo Grande/MS), Carvalho & Padovani Sociedade de Advogados (www.carvalhoepadovani.adv.br – Tangará da Serra/MT) e Neme, Carvalho & Marques Advogados (Brasília/DF); Palestrante, Mestrando em Direito pela Universidade Autônoma de Lisboa (Portugal), pós-graduado em Direito Constitucional, Especialista em Direito Tributário, Professor em Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito, Conselheiro Estadual da OAB/MS, Presidente da Academia de Direito Processual de Mato Grosso do Sul – ADP/MS, autor da obra “A Insujeição da Sentença Arbitral ao Precedente Judicial Previsto no Código de Processo Civil de 2015”, Editora Life e Co-autor das obras “Práticas Contemporâneas Trabalhistas e Previdenciárias” – Tema: Os Provimentos Judiciais Legalmente Vinculantes e seus Reflexos nas Lides Previdenciárias – – Editora Quartier Latin – 2019 e “O Procedimento de Cassação de Mandato de Prefeitos e Vereadores – Aspectos Atuais do Decreto-Lei nº 201/67 à luz da jurisprudência e do CPC/2015” – Life Editora – 2019.